Projeto que anistia golpistas avança e acirra debate sobre legalidade e riscos à democracia

A proposta que concede anistia aos envolvidos nos ataques antidemocráticos iniciados em 30 de outubro de 2022, incluindo os atos golpistas de 8 de janeiro, ganhou força na Câmara dos Deputados. O projeto já reúne o número mínimo de assinaturas para tramitar com urgência, mas sua votação depende de decisão do presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos), junto aos líderes partidários.

Conhecido como PL da Anistia, o texto engloba uma série de projetos que buscam excluir de responsabilidade penal participantes de manifestações golpistas — desde caminhoneiros e acampados em frente a quartéis até generais e o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), citado como um dos beneficiários.

Especialista em Direito Público, a advogada Jéssica Correia explica que a anistia não apaga o crime, mas suspende os efeitos da condenação por decisão legislativa. “É diferente de indulto ou graça, que são perdões individuais concedidos pelo presidente da República”, pontua. No entanto, a Constituição veda a anistia para crimes como tortura, terrorismo, tráfico e os considerados hediondos.

A polêmica central do projeto é saber se as ações contra o Estado Democrático de Direito podem ser consideradas crimes hediondos ou “inanistiáveis”. Para Correia, o argumento da pacificação política não pode servir de escudo para anular a responsabilização. “É uma tentativa de apagar responsabilidades penais sob pretextos políticos. Isso fere cláusulas pétreas da Constituição.”

Ela também alerta para as possíveis reações internacionais, especialmente se a anistia for estendida a Bolsonaro, acusado de crimes como tentativa de homicídio contra o presidente Lula e outras autoridades. “O Brasil corre o risco de nova condenação em tribunais internacionais, como já ocorreu pela anistia de crimes da ditadura militar.”

O cientista político Sandro Prado vê na proposta uma ameaça direta ao Judiciário e ao equilíbrio institucional. “A anistia enfraquece o papel do STF e sinaliza que rupturas institucionais podem ser toleradas se forem politicamente convenientes.”

Prado afirma ainda que o PL da Anistia representa uma tentativa de reescrever a narrativa dos ataques golpistas. “Não se trata de um gesto de pacificação, mas de um revisionismo que busca legitimar a violência contra o regime democrático. É uma inversão da lógica da anistia de 1979, que visava restaurar a ordem democrática.”

Para ele, enquanto a Lei da Anistia surgiu num contexto de redemocratização, o projeto atual visa perdoar quem tentou destruir essa democracia já consolidada. “É uma anistia contra os pilares do Estado de Direito.”

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